É ILÍCITO O CANCELAMENTO UNILATERAL E AUTOMÁTICO DA PASSAGEM DO TRECHO DE VOLTA, TENDO EM VISTA A NÃO UTILIZAÇÃO DO BILHETE DE IDA (NO SHOW).
A presente postagem tem o intuito de informar os nossos leitores acerca do entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no tocante à relação entre consumidores e empresas de transportes aéreos, no que tange à impossibilidade desta em cancelar de forma automática e unilateral a passagem do trecho de volta, em virtude da não utilização pelo consumidor do bilhete da passagem de ida.
É comum ao programar uma viagem a aquisição de passagens aéreas do tipo ida e volta, isto é se adquire no mesmo dia as passagens aéreas de ida e a de volta em data já marcada. Todavia, se por algum motivo o passageiro não utilizar o bilhete de ida, tornou-se prática corriqueira que, de forma unilateral e automática, as companhias aèreas cancelarem a passagem de volta.
Tal conduta criou divergência jurisprudencial acerca da sua legalidade, porém, conforme veremos a seguir, a Terceira Turma do STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.699.780/SP, relatado pelo eminente Marco Aurélio Bellizze, de forma ûnanime, decidiu pela sua ilicitude do cancelamento do bilhete da passagem de volta, de forma unilateral e automática, e condenou uma companhia aérea em danos materiais e morais.
O acórdão do aludido recurso especial está assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS. AQUISIÇÃO DE PASSAGENS DO TIPO IDA E VOLTA. CANCELAMENTO AUTOMÁTICO E UNILATERAL DO TRECHO DE VOLTA, TENDO EM VISTA A NÃO UTILIZAÇÃO DO BILHETE DE IDA (NO SHOW). CONDUTA ABUSIVA DA TRANSPORTADORA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 51, IV, XI, XV, E § 1º, I, II E III, E 39, I, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS EFETUADAS COM A AQUISIÇÃO DAS NOVAS PASSAGENS (DANOS MATERIAIS). FATOS QUE ULTRAPASSARAM O MERO ABORRECIMENTO COTIDIANO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A controvérsia instaurada neste feito consiste em saber se configura conduta abusiva o cancelamento automático e unilateral, por parte da empresa aérea, do trecho de volta do passageiro que adquiriu as passagens do tipo ida e volta, em razão de não ter utilizado o trecho inicial.
2. Inicialmente, não há qualquer dúvida que a relação jurídica travada entre as partes é nitidamente de consumo, tendo em vista que o adquirente da passagem amolda-se ao conceito de consumidor, como destinatário final, enquanto a empresa caracteriza-se como fornecedora do serviço de transporte aéreo de passageiros, nos termos dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor - CDC.
3. Dentre os diversos mecanismos de proteção ao consumidor estabelecidos pela lei, a fim de equalizar a relação faticamente desigual em comparação ao fornecedor, destacam-se os arts. 39 e 51 do CDC, que, com base nos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, estabelecem, em rol exemplificativo, as hipóteses, respectivamente, das chamadas práticas abusivas, vedadas pelo ordenamento jurídico, e das cláusulas abusivas, consideradas nulas de pleno direito em contratos de consumo, configurando nítida mitigação da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda).
4. A previsão de cancelamento unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no show), configura prática rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos referidos dispositivos legais, cabendo ao Poder Judiciário o restabelecimento do necessário equilíbrio contratual.
4.1. Com efeito, obrigar o consumidor a adquirir nova passagem aérea para efetuar a viagem no mesmo trecho e hora marcados, a despeito de já ter efetuado o pagamento, configura obrigação abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda, incompatível com a boa-fé objetiva, que deve reger as relações contratuais (CDC, art. 51, IV). Ademais, a referida prática também configura a chamada "venda casada", pois condiciona o fornecimento do serviço de transporte aéreo do "trecho de volta" à utilização do "trecho de ida" (CDC, art. 39, I).
4.2. Tratando-se de relação consumerista, a força obrigatória do contrato é mitigada, não podendo o fornecedor de produtos e serviços, a pretexto de maximização do lucro, adotar prática abusiva ou excessivamente onerosa à parte mais vulnerável na relação, o consumidor.
5. Tal o quadro delineado, é de rigor a procedência, em parte, dos pedidos formulados na ação indenizatória a fim de condenar a recorrida ao ressarcimento dos valores gastos com a aquisição da segunda passagem de volta (danos materiais), bem como ao pagamento de indenização por danos morais, fixados no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para cada autor.
6. Recurso especial provido.
(REsp 1699780/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 17/09/2018)
Dessa forma, mediante análise dos fundamentos do acórdão, observa-se que o STJ, de maneira correta, entendeu que é abusiva o cancelamento da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no show). Ademais, o Tribunal Superior entendeu que tal conduta no caso concreto causou danos morais, tendo em vista todos os transtornos e os dissabores causados pelo cancelamento unilateral da passagem de volta. Tal entendimento, apesar de não ser vinculante, deverá nortear a atuação jurisdicional nos casos em que se discuta a mesma matéria.
Caso haja alguma dúvida sobre a temática aqui discutida, consulte um advogado de sua confiança
Manoel Victor de Mello